O preço da visibilidade – Mesa de debates Oi Futuro

No último dia 15 de abril de 2010, foi realizado no espaço Oi Futuro de Belo Horizonte uma mesa de debates cujo tema foi o preço da visibilidade midiática dos músicos na rede. O encontro, organizado pelos sócios-proprietários do selo e produtora de áudio Serrassônica, Ronaldo Gino e André Melo, teve como convidados o músico Makely Ka, representando a COMUM (Cooperativa de Música de Minas Gerais) e o DJ e proprietário do selo digital Conteúdo Records, Tadeus Mucelli (DJ Tee). Como pesquisadora da temática e a convite do Selo Serrassônica, também integrei a mesa de bate-papo.

Passando por pontos polêmicos como “direitos autorais versus download gratuito” e “os mitos e as verdades por trás do cunho libertário atribuído aos recursos de internet”, a discussão proposta deixou à mostra inquietações comuns ao grupo reunido naquela noite: quais os benefícios e desafios que esse período tem trazido para os artistas independentes? Quais as implicações das novas propostas de modelos de negócios sugeridas ao mercado? Qual seria o custo da visibilidade do artista e de suas obras nas galáxias da “cauda longa”? O “popstar” seria um sonho datado ou o brilho de muitas constelações passaram a protagonizar a cena?

A internet e os recursos de web 2.0, juntamente com o barateamento da tecnologia de produção musical, são uns dos principais fatores responsáveis pela remodulação ainda em curso do mercado de música massiva e independente. Asmajorsda indústria fonográfica ainda insistem que a troca de arquivos .mp3 seja a grande responsável pela queda de seus lucros. No entanto, sobreviverão às dificuldades econômicas dessa fase de transição aqueles que souberem se adaptar às necessidades do público produtor e consumidor de música, agentes de novas práticas sócio-comunicacionais continuamente geradas e legitimadas pelas redes.

Desde 2006, quando a rede social de música MySpaceconquistou inúmeros adeptos, uma sucessão de serviços focados neste nicho foram inaugurados. Entre eles podemos citar o Lastfm, Ilike, Blipfm, Lalae outros. Experimentando formatos com o objetivo de vencer a disputa pela preferência dos usuários, estes serviços, imbuídos do discurso de facilitação dos processos interativos e de táticas de “rankeamento” (seja por número de seguidores, amigos, interações ou por número de audições, downloads, etc), acabaram por agenciar novas práticas de escuta musical e recomendação.

Desde então, o hábito musical dos usuários passou a ser mais visível na rede. O Lastfmapresenta tabelas com as faixas e bandas mais ouvidas nos perfis dos ouvintes, enquanto no Myspace,os artistas prediletos aparecem relacionados entre os “favoritos”. No Blipfme Lalaos usuários criam os seus próprios playlists. Essas informações permitem aos serviços fazerem um estudo de segmentação de mercado ainda mais preciso, com a análise do número de cliques em links patrocinados nas páginas de músicos, grupos ou estilos musicais mais populares para determinar uma estratégia mais apurada para o anunciante ou patrocinador. Esse dado também é útil para o músico, pois ele consegue identificar através da interface destes serviços as afinidades e preferências daqueles que podem vir a ser um admirador e recomendador de seu trabalho. Como é de interesse do músico agregar à sua rede o máximo de admiradores ou público potencial possível, ele acaba tornando-se um agente bastante ativo na disseminação dessas redes, que quanto mais populares, mais eficazes enquanto interfaces de interatividade e como fonte de lucro para seus investidores.

Diante dessa lógica colaborativa, na qual presumidamente “todos ganham”, a pergunta é: quanto ganha e quem ganha mais. Se em meados de 2006, “fenômenos” de Myspacecomo Lilly Allen, Feist, Arcade Fire davam a impressão de que estava acontecendo uma grande revolução “indie” na web, posteriormente reconheceu-se que muitos destes ditos fenômenos eram frutos de estratégias de marketing já adequadas à web 2.0, estratégias estas que envolviam também outras vias de comunicação tradicionais e que não seriam viáveis sem um grande volume de investimento e o acesso privilegiado a um relatório de dados destas redes sociais.

Com as redes infladas de perfis nem sempre ativos, com os mecanismos de mediação restritos às listas e ranking dos hitsmais ouvidos, geralmente dominados por artistas do mainstream, a visibilidade na rede não vem tão facilmente.

O que dizer da distribuição gratuita das músicas em rede? E os serviços, como o do portal “Jamendo” (www.jamendo.com), que oferecem a divisão de uma porcentagem dos lucros com os anunciantes do portal entre os músicos que tiveram suas faixas baixadas sem custo pelos usuários? Seria um bom negócio? Nessa conta é preciso considerar quanto o portal vem angariando e quanto cada músico recebe nesta partilha. Para se ter idéia, o Jamendo possui hoje mais de trinta mil álbuns cadastradas.

A proposta do Jamendo ou de serviços afins é uma tentativa de legalizar o download ou streaming gratuito através da remuneração do artista de acordo com os termos do contrato proposto a este usuário, “totalmente legal” com diz a chamada. Não deixa de ser uma tentativa legítima, mas que acaba por orientar um hábito no usuário de não pagar por download musical, ou seja, a música em rede fruiria “livremente” para todos assim como em uma estação de rádio. Esse tipo de modelo bate de frente diretamente com da Apple e o seu iTunes, por exemplo.

Em teoria, plataformas como a do “Jamendo” seriam mais propícias para os músicos independentes que não possuem necessariamente um contrato assinado com um selo musical e teriam dificuldade de promoverem suas músicas nas principais lojas e distribuidoras da internet. A esperança seria a de uma instalação de um mercado independente paralelo, sustentado por músicos e seus seguidores, livres das instâncias tradicionais de mediação e na qual o músico ainda recebe alguma importância pela disponibilização de seu trabalho. Mas, o que acontece na prática? O artista consegue retirar daí uma boa quantia para a sua sustentabilidade profissional? Ele consegue com esses recursos otimizar a sua circulação com shows e apresentações sem sacrifícios como abrir mão do cachê?

O questionamento sobre o uso desses recursos de web 2.0 e novos modelos de negócios gira em torno dos reais benefícios angariados pelos artistas, uma vez as redes atualmente encontram-se muito populosas, porém com interações efetivas pouco densas, muito esparsas. Sem dúvida que a mudança do modelo de contrato antes oferecido pelas majorsfoi significativo e abriu um leque de possibilidades e realizações. Também não se questiona a importância da comunicação direta construída através das redes sociais e blogs. Mas, passados dez anos, não estariam as redes já sendo colonizadas por outras forças de mediação, tão fortes e quanto às majors?

Um exemplo relacionado especificamente à visibilidade: quando acessamos os portais de música, qual é a configuração da capa desses sites? Quem aparece em destaque? Ao entrar nas listas de artistas independentes, quais seriam os critérios de escolha de um álbum ou artista por um usuário quando, a capa do álbum? A ordem alfabética da lista dos artistas? A indicação de um amigo? A recomendação de um blog? Quais os critérios e os filtros que asseguram a presença na capa desses serviços ou os primeiros lugares nos seus rankings? O “jabá” não seria uma prática também presente na web?

Enfim, chegamos ao final desta reflexão com mais perguntas do que respostas. A pesquisa sobre o mercado da música em meio a tantos modelos de negócios em disputa pela fórmula mais eficiente para todos os personagens envolvidos talvez ainda esteja longe de acabar. Mas as questões apresentadas alimentarão o pensamento crítico dos artistas frente aos discursos dotados de entusiasmos excessivos com relação a estes processos. Nessa jornada musical de conflitos silenciosos, de recursos e esforços variados, quem realmente lucra com o engajamento dos músicos nas redes? Os artistas, os patrocinadores ou os portais de serviços e redes sociais? Afinal, alguém consegue medir o preço da visibilidade?

Por Trás dos Verbetes – Artigo para a Revista ENEAGRAMA USP

Por Trás dos Verbetes: um breve olhar sobre as interações e os

processos colaborativos no portal da Wikipédia Lusófona1

Patrícia Rocha

Resumo

A cada ano a internet surpreende o usuário com portais que oferecem novos formatos e

serviços que estimulam a interação e a troca de arquivos e informações em rede. Uma das

tecnologias mais influentes que emergiram nesta ambiência foi o formato wiki, tendo como

expoente maior a Wikipédia. Este trabalho visa apresentar os resultados da primeira etapa

de uma pesquisa exploratória realizada no portal da Wikipédia Lusófona, com o objetivo

de estabelecer as especificidades do formato wiki e como ele modularia as interações e as

mediações realizadas nesta inferface. A partir da observação de micro-redes formadas em

torno de alguns verbetes selecionados, questiona-se se é possível descobrir qual a natureza

das relações presentes neste ambiente e como elas interfeririam na constituição dos artigos.

Palavras-chave: Colaboração; Mediação; Interação; Wikipedia.

 

1. Introdução

A construção colaborativa de conhecimento mediado tecnicamente na internet tem sido abordada em vários estudos sociocomunicacionais recentes. O Formato Wiki, estrutura de software que permite a edição e a moderação de conteúdos online por mais de um usuário, configura-se como um dos destaques do cenário denominado como Web 2.03.

Somente a versão lusófona do portal Wikipédia4, recorte de estudo deste trabalho, já conta com mais de seiscentos mil5 artigos editados por seus usuários e, segundo as estatísticas do site Alexa6, ocupa a décima sétima colocação no ranking de acessos no Brasil. Talvez todos esses dados expliquem porque o formato wiki tem sido adotado por universidades, instituições de ensino e empresas7 como plataforma de construção de conhecimento compartilhado. O formato também tem sido modelo para outros softwares que trabalham com a mesma lógica colaborativa. Existem wikis que não estão vinculados ao projeto Wikimedia8 e estão disponíveis com licença livre para serem baixados e utilizados por qualquer usuário, como o Foswiki9 e o Dokuwiki10.

A proliferação destes projetos chama a atenção para algumas questões que motivaram a realização deste trabalho. Quais seriam as características e especificidades deste formato que estariam relacionados ao sucesso do mesmo? Como se configuram as interações sociais no processo coletivo de construção de conteúdo na Wikipédia? De que maneira o formato interferiria na modulação dessas interações?

Tomando como referencial os estudos sobre os processos de colaboração na internet e sobre redes sociais, o presente artigo tem como objetivo principal levantar aspectos qualitativos que norteariam apontamentos e possíveis caminhos para as questões levantadas acima. Para tal foram selecionados dois verbetes para serem acompanhados durante o período de uma semana através de suas respectivas páginas de discussão. Os critérios para a seleção dos verbetes e a descrição dos procedimentos metodológicos para essa abordagem serão mais detalhados no quarto item deste artigo.

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