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Lonely Game (Lyric Video)

Achei um tempo nos meados da quarentena para criar um “lyric video” para Lonely Game, a primeira faixa que compus e gravei, em uma parceria com o produtor Sérgio Scliar e o músico Hugo Pieri. Ela fez parte de uma coletânea de música eletrônica de Belo Horizonte (BHertz), em 2004. Naquela época existia uma ideia, um roteiro pensado para esse vídeo com a estética de pixels, remetendo aos games dos anos 80 como o atari, mas não avançou. Anos se foram e a tecnologia facilitou “redesenhar” o “conceito”: o vídeo é uma reflexão sobre como nossos “avatares” e suas narrativas nas redes sociais ganham vida própria nas mentes dos seus seguidores. Imaginem se pudéssemos ler essas versões? Estaríamos presos a elas? “I can’t hold my “selfie” “…?

 

À luz do tempo

Foi gratificante experimentar o ar gelado do outono me sugerindo um autoabraço, enquanto eu procurava uma posição confortável para o meu pescoço. Eu queria estar à vontade para apenas encontrar o céu. O lençol azul marinho se estendia generoso e estampado sobre a cidade, e ela, em reflexo, respondia com suas luzes postas.

Depois de testar ângulos diferentes que não fossem rasgados pela iluminação do poste, encontrei um canto favorável à observação. A chuva de meteoros de Líridas riscaria a madrugada de quarta, trazendo um pouco de ar fresco para os nossos pulmões sôfregos de ansiedade, devido à pandemia do novo coronavírus. Bom, era uma programação diferente da habitual, pelo menos aos plantonistas insones que não dormiam tranquilos na noite da ignorância. Ou àqueles que são os da primeira manhã, que após o sono dos justos, testemunhariam a saudação do cosmos a mais um dia de trabalho.

Após achar um bom lugar de frente para o cruzeiro do sul, mergulhei na música que tocava no fone de ouvido e relaxei. Nada cruzava o firmamento, a não ser meus olhos. Nem aves ou aeronaves, somente eu ali, fitando o passado. A luz que chega até nós vindas daqueles pontinhos estelares é de um ontem tão distante que nunca amanhece. Cogitar o momento presente daqueles corpos me faz lembrar que alguns deles talvez nem existam mais. Olhar o passado presente nas estatísticas da pandemia nos desconcerta: dados de acontecimentos referentes a duas ou três semanas atrás tomados como “atuais”, enquanto outros tantos números se perdem no breu das subnotificações de tendências exponenciais, que como as luzes tardias que se apagam no infinito, são camuflados aos olhos nus e meramente humanos.

Eu não via nenhum meteorito cair, mas eu sabia que passariam por lá. Assim foi todas as vezes que quis assistir ao evento. Ora as nuvens, ora a chuva, ora a altura da hora, não importa o impedimento, eu não alcançava o meu objetivo, ano após ano. Era como uma promessa que não conseguia se cumprir, parecia um conto, uma ficção. Minha fé seguia viva no fenômeno, embora para muitos, sem o concreto, não há crença. E da mesma forma que a névoa incandescente da metrópole me roubava o manto negro do espaço e as chances de sucesso, a calmaria da dor invisível de uma pandemia aparentemente “distante”, contada nas telas, distraia a multidão da escuridão da morte, onde quer ela que houvesse.

Para lidar com a minha frustração momentânea, avaliei se eu não estaria procurando no lado errado, se distraída ao trocar de música no dispositivo, as estrelas cadentes, sorrateiras, me fintassem o olhar. Houve uma vez, sem nenhum plano ou preparo, sem data, sem cadeira de praia ou colchonete, sem luneta ou lua nova, ao sair para por o lixo para fora, na velocidade de um relance, vupt! Uma estrela caiu. Logo me apressei e guardei o meu desejo, com os olhos bem apertados, como se essa compressão urgente fosse capaz realizá-lo. Teria sido eu atraída àquele evento? Talvez eu tenha aumentado a minha sorte num ato de disciplina, pois, desde criancinha, sob qualquer pretexto, visitava o quintal todas as noites para buscar o céu.

Cada um de nós faz o seu próprio caminho. E alguns, levados pelo desejo abafado de vivenciar, persistem convictos em si mesmos e alheios aos alertas e orientações da mãe amorosa, do pai cauteloso, do amigo carinhoso, do professor zeloso, da ciência especialista, da lei que orienta, da razão que norteia e de todos os entes responsáveis, incubidos do dever de cuidar. São estes que teimam os que demandam inconscientemente a tatuagem da experiência, por mais áspera e dolorida que ela seja, para introjetar o sentido do conhecimento e transformá-lo em sentimento. Inevitável é a queda das águas que bailam à beira do abismo antes de se transformar em cachoeira e ir regar outros remansos.

Foram quarenta minutos velando o céu até eu entender que o evento agendado da quarentena não me vestiria tão bem quanto as cobertas quentinhas e o abraço do meu companheiro. Voltei para a tranquilidade e o conforto do quarto, sabendo que horas depois eu me serviria da claridade e do calor da nossa estrela-mãe à intimidar o frio suave do outono, no nosso presente vívido e concreto. Ao inverno do porvir, a temperatura de sua véspera.

Antes de entregar o corpo ao repouso e os olhos aos sonhos, fiz um pedido com a força de um coração que batia bem apertado: era uma oração.

 

Old but gold: Planc Tone – (2005_2006)

 

Uma faixa estreante numa coletânea de música eletrônica da cidade (a primeira), um convite para tocar, um pretexto para uma banda?

Planc Tone foi um trio formado em 2005 que mal chegou e logo já se apresentou em três festivais da cidade. Naquele tempo, havia uma
certa dificuldade para a banda se definir sonoramente em seu mix entre gêneros e subgêneros, o que não seria razão de conflitos hoje,
na era do streaming, onde tudo se dispõe livremente em uma única fonte horizontal de informações: a rede de dados – ou internet, se preferir!
O grupo que misturava mpb + jazz + eletrônica + trip hop + indie (post rock) , foi formado originalmente pelos músicos e produtores
Lucas Miranda, Patricia Rocha e Tiago Macedo e, depois, recebeu outros dois integrantes para compor o time nas apresentações:
André Rimas (bateria) e Alaécio Martins (trombone).

Foi uma curta, mas deliciosa viagem que você pode embarcar nos registros deste post!

 

 

Mexido – Constantina

Mexido é uma coletânea de “remixes” das obras do grupo mineiro Constantina. O trabalho tornou-se ainda mais especial com a colaboração de diretores de filmes e produtores musicais, configurando-se uma obra audiovisual. Tive a honra de participar desse maravilhoso trabalho ao lado de artistas especiais como André Thitcho, Chris Scullion, Jovem Palerosi, Maurício Takara e Tiago Macedo a.k.a. Tchilli Rodriguez, com o remix de Bicicletas de NSra. de Copacabana em parceria com a Diretora Cassiana Maranha.

Um detalhe que acho importante ressaltar, Cassiana produziu seu vídeo em cima do meu remix, mas não trocamos ideia durante o processo. A versão visual da faixa é 100% dela!  Ficou feminino, delicado, lindo!

Entrevista ao programa AGENDA da TV MINAS

“Com tato em tela” – Artigo Revista Dispositiva

COM TATO EM TELA: afetos e artefatos maquínicos 

Por Patrícia Rocha 

Mestre em Comunicação Social pela PUC Minas, professora e artista

Resumo: O presente artigo busca refletir sobre as relações afetivas mediadas pela tecnologia na contemporaneidade. Em um período ditado pela sobreposição de códigos de relacionamentos produzidos durante o processo de mediação tecnológica, o mapa signico para o rastreamento das manifestações ditas de afeto provavelmente advenha da chamada força bruta indicial da emoção presentificada nessas comunicações. 

Palavras-chave: Afeto, tecnologia, artefatos, redes, mediação, subjetivação, percepção, presentificação da experiência. 

Abstract: This article aims to reflect on the affective relations mediated by technology in the contemporary world. In a period dictated by the overlapping of codes of relationships produced during the process of technological mediation, the signal map for the tracing of affection manifestations derives from indicial gross force of the presentificated emotion in these communications. 

Keywords: Affection, technology, artefacts, webs, mediation, subjectivation, perception, experience presentification. 

1. Introdução 

Que relação haveria entre as tentativas de estabelecimento de contato (comunicação ou interação em níveis avançados) com inteligências extraterrestres apresentados em filmes de ficção científica e as interações de relações afetivas mediadas por tecnologia na contemporaneidade? Talvez para alguns essa pergunta soe exagerada e dramática. Embora ainda não vejamos espaçonaves em formas de disco cruzando os céus com naturalidade – como foi imaginada em séries e desenhos animados, o século XXI apresenta traços que nos aproxima assustadoramente da realidade sugerida em criativos roteiros de cinema de ficção. 

O presente artigo busca fazer um paralelo entre os recursos de interatividade entre humanos e alienígenas – como os sinais audiovisuais de satélite, intervenções sonoras e luminosas – que aparecem nos filmes “Contato” (1997) e “Contato Imediatos do Terceiro Grau” (1977) e as relações afetivas mediadas por tecnologias de rede na contemporaneidade. A individualização excessiva teria transformado as formas de sociabilidade e as percepções de relacionamento afetivo de maneira que o acesso ao outro indivíduo tenha se tornado um desafio misterioso ou até mesmo um grande perigo – isso, apesar de toda a aparente segurança 

que a malha de filtros e informações sobre os usuários servidos pela rede venha a oferecer. Os dados disponíveis sobre gostos e preferências pessoais funcionariam, em tese, como uma aparente apólice de seguros, uma vez antecipariam possíveis surpresas que poderiam acontecer no enfrentamento de um encontro presencial. Contudo, as imagens, vídeos, preferências musicais de um perfil virtual não constituiriam um mosaico interpretativo com exclusivo fim de atrair a atenção do outro usuário, sem necessário compromisso com a verdade? Como se conformaria a sensação de segurança neste tipo de interação e mediação? 

2. Contatos em telas 

O filmes “Contato” (1997) e “Contato Imediato do Terceiro Grau” (1997) utilizam o som ou a música como interface primeira de comunicação entre as inteligências extraterrestres e a humanidade. Por trás da música enquanto código estaria a matemática como uma espécie de linguagem universal do espaço e da existência. 

No filme “Contato” (1997), a primeira percepção da existência de uma iniciativa de comunicação foi a frequência sonora captada pela cientista responsável pelo projeto SETI (antenas direcionadas para as galáxias em busca de sinais de rádio que representem um contato alienígena). No decorrer do processo de comunicação acontece a decodificação da onda em sinais matemáticos, números primos, que não seriam produzidos espontaneamente no universo. Neste mesmo processo de decodificação surgiu uma imagem da segunda guerra mundial que seria uma espécie de resposta a uma iniciativa da agência espacial americana, que teria mandado um disco de imagens do Planeta Terra em direção ao espaço sideral. Aquilo poderia significar duas coisas, um chamado de paz ou um chamado de luta. 

No filme “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977), a manifestação foi inicialmente “material”, uma vez as testemunhas interagiram visualmente com as naves alienígenas. Elas foram expostas a experiências de forte impacto emocional de maneira que informações foram inseridas em suas mentes sem que elas soubessem, reaparecendo depois em suas memórias paulatinamente. Essas memórias forneceram a imagem do local onde aconteceria um novo contato direto e mais elaborado. Nesse segundo momento, por exemplo, as notas musicais eram repetidas numa sequência fixa que, ao acelerar-se complexificava ou sinalizava o avanço do nível de interação. 

A música ou o som como interface de mediação produz uma “pré-sensação” de familiaridade, as notas musicais e escalas, que nos tocam de modo a parecer que converse diretamente com as nossas emoções. O som nesse momento tem uma característica indicial, está no lugar da Segundeza nas categorias de fenômenos de percepção de Peirce. O som chega causando uma identificação, uma afinidade ou repulsa, uma reação: 

Segundeza está nos domínios daquilo que chamamos de atual (=ato), de presencial, do visto, do sentido conscientemente, daquilo que percebemos sabendo dessa percepção. A Segundeza é algo do mundo que se impõe à nossa consciência, que se faz perceber de forma bruta por simplesmente estar lá, por se fazer presente. Isto é, a Segundeza é a categoria daquilo que sentimos existir. (PINTO, p.45, 2010) 

Quando os contatos estabelecidos pelas inteligências alienígenas se “materializam” na Segundeza eles estão se colocando para a cognição humana como uma espécie de verdade, de confirmação da experiência e vivência. 

Em nossas relações mediadas tecnologicamente, buscamos nos dispositivos formas e materialidades para as nossas interações e relações. A partir do momento em que elas são canalizadas em um dispositivo eletrônico de “curadoria” de relação e de estímulo visual, estaríamos buscando de alguma forma uma certeza para o investimento naquela relação ou a ilusão de vivência dessa afetividade? 

[…] a experiência reticular dos ambientes digitais constitui uma propulsão no sentido da singularização das experiências, isto é, uma manifestação do sensível em sua proximidade com os absolutos irredutíveis de uma zeroidade que não se alcança. Essa singularização oferece o tato, mais que a idéia do tato, o cheiro, mais que a idéia do cheiro, o tempo presente que sinto na carne, mais que uma idéia de tempo presente. Não é, aliás, o tempo presente que todos compartilhamos, é o meu tempo presente. (PINTO, p.8, 2010) 

A vida presentificada das redes sociais talvez cause a sensação de que estejamos vivos e/ou experienciando múltiplas vivências, mas não necessariamente acessando de fato aquilo que alguns objetivam buscar, que seria os afetos mais profundos. Seria o amor um sentimento indizível, situado na Primeireza (qualidade difusamente percebida de minha experiência) numa condição mais próxima de uma “zeroidade” ao invés da sensação de realização da Segundeza? Um terceiro (simbólico) funcionado como primeiro? Seriam as interfaces tecnológicas nossas naves espaciais para experienciar “materialmente” o denominado amor? Como funcionariam as redes sociais mediadas tecnologicamente no estabelecimento dessas relações? O que as evoluções técnicas nos dispositivos e aplicativos teriam a revelar? 

3. Interfaces de espaço e tempo e redes sociais 

Tanto no filme “Contato” (1997) quanto em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977) é observado o flerte com a física e a teoria da relatividade de Einstein, na qual o tempo e o espaço são variáveis relacionadas e deformáveis pela massa do astro e as forças gravitacionais. Em “Contato” (1997), o flerte aparece no trecho em que a pesquisadora faz a sua viagem espacial super acelerada através dos “buracos de minhoca”, hipotéticos túneis de deslocamento no espaço-tempo descritos por Einstein. Em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977), os passageiros humanos da nave alienígena que haviam desaparecido há anos da Terra retornaram ao planeta com a mesma aparência física de quando foram abduzidos. A viagem no espaço-tempo teria preservado a juventude dos viajantes enquanto o tempo na Terra avançou normalmente. 

A presença contínua da tecnologia no nosso cotidiano promoveu muitas transformações na nossa percepção de espaço e tempo, por exemplo, embora nem todas as pessoas parem para pensar nessas transformações, apenas as vivenciam. A Internet e os smartphones modificaram a maioria de nossas interações à distância. Já assistimos a duas gerações de tecnologia de rede (web 1.0 – dupla Orkut e MSN – e web 2.0 – Facebook e Whatsapp) nas quais podemos reconhecer modelos diferentes de interatividade. A multiplicidade de informações que podemos obter sobre lugares, pessoas, contextos são como “superpoderes” que outrora só seriam possíveis se realizássemos o sonho da telepatia ou da osmose de conhecimento. 

Os meios de comunicação e as tecnologias encurtaram distâncias físicas e o tempo de troca interativa. Aceleraram a vida desestabilizando os modos de experiências vigentes até então. Se a televisão interrompeu a tradição das conversas familiares, se o laptop individualizou o uso do computador da família, os smartphones e suas múltiplos aplicativos de redes sociais reduziram a quase zero a necessidade de longas conversas telefônicas, como podemos constatar em nossas experiências cotidianas. 

A popularização das tecnologias digitais introduziu a mobilidade em todos os planos de experiência. Com isso espaços que antes apareciam como referências totais passam a ser percebidos de formas diferenciadas para cada indivíduo em seu histórico de experiências. Almeida e Tracy (2003) citam De Certeau para repensar o espaço, no qual este seria constituído pelo cruzamento móvel de corpos e fragmentos. O chamado ciberespaço se 

configurou como uma ambiência de fluxo contínuo de conteúdo que contribuiu para os fenômenos de desterritorialização, termo que se aplica a objetos ou processos que cada vez mais operam de modo a transcender limites territoriais e identidades específicas: 

Trata-se de pensar o tempo e o espaço conjuntamente, e ambos como produtos de inter-relações, pois “uma vez superada a hipótese de que o espaço e o tempo são categorias mutuamente exclusivas, uma vez admitido que o espaço é composto por uma multiplicidade de histórias, percebe-se que nada poderia ser a um só tempo mais ordenado e caótico que o espaço, com todas as suas justaposições inusitadas e efeitos emergentes involuntários. (ALMEIDA & TRACY, 2003, p.28) 

As experiências interativas são continuamente atualizadas por novos formatos tecnológicos que produzem um aprendizado de códigos específicos que afetam as percepções e as disposições para as relações afetivas. As autoras resgatam Marc Augé e o conceito de Hipermodernidade para abordar esse acelerado e mutante processo interacional no qual a contemporaneidade seria marcada por superabundâncias: 

[…] a superabundância espacial caracteriza-se pela crise dos sistemas de referências baseados na ideia de totalidade, crise esta produzida pela diminuição das distâncias e pela facilidade de comunicação que dissolvem fronteiras materiais e culturais. A superabundância identitária, estreitamente vinculada aos processos apontados anteriormente, caracteriza-se pela individualização exarcebada das referências, o que tornou múltiplos e flutuantes os mecanismos de identificação tanto individuais quanto coletivos. (ALMEIDA & TRACY, 2003, p.32) 

Agamben (2009) já havia mencionado em seu entendimento do conceito de dispositivo que seriam disparadores de processos de subjetivação e dessubjetivação produzidas pelas relações os quais eles mediam: 

[…] as substâncias e os sujeitos, como na velha metafísica, parecem sobrepor-se, mas não completamente. Neste sentido, por exemplo, um mesmo indivíduo, uma mesma substância, pode ser o lugar dos múltiplos processos de subjetivação: o usuário de telefones celulares, o navegador na internet, o escritor de contos, o apaixonado por tango, o não-global etc. Ao ilimitado crescimento dos dispositivos no nosso tempo corresponde uma igualmente disseminada proliferação de processos de subjetivação. AGAMBEN, 2009, p.41) 

Podemos pensar nos smartphones, por exemplo, e a relação que este dispositivo tem no cotidiano, como ele insere práticas de comunicação através das interações nas redes sociais, desvinculando referenciais de tempo e espaço, uma vez que trata-se de uma “mídia locativa”, criando e articulando múltiplas subjetivações que irão conviver com tantas outras subjetivações oriundas de outros dispositivos que se sobrepõem. 

Visualizamos a evolução das interfaces das principais redes sociais de internet ao longo dos últimos doze anos como um exemplo da diversificação das formas de interação mediada por tecnologia. No início dos anos dois mil, a rede social Orkut juntamente com a interface de bate-papos MSN eram os líderes das interações até aproximadamente 2005, quando outras redes despontaram como MySpace e o Twitter. O Orkut tinha um formato baseado na interação em fóruns de debates, nos quais os conteúdos das interações ficavam armazenados por tema ou assunto e os membros dos fóruns formavam comunidades afins em torno de algum interesse comum. O Twitter2 com sua interface de atualizações contínuas em textos de poucos caracteres veio inaugurar a cultura da linha de tempo. Plataforma de comunicação constante, individual (não obrigatoriamente prevê a necessidade de diálogo). Quando o Facebook surgiu sua referência era a interface do Orkut. Porém, logo que foi constatado o sucesso do também rival Twitter, o Facebook absorveu a sua dinâmica de atualizações em forma de linha de tempo (timeline)3 e se tornou uma rede ego, individualista, pautada na exibição de uma narrativa que giraria em torno da própria vida transmitida para audiência, retroalimentada por um algoritmo que prioriza os usuários mais atuantes na prática de publicação de postagens. 

Diante desse apanhado, fazendo um paralelo sorrateiro com a teoria da equivalência de massa-energia de Einstein, nota-se que o algoritmo de algumas redes sociais proporcionaria uma relação de aceleração e “aumento de massa”: quanto maior a frequência de interação, maior a densidade informacional. Mas teria o aumento da interação uma relação direta com o sucesso das trocas afetivas entre estes usuários? Não necessariamente. Porém, certamente, uma repetição da frequência de contato promove algum tipo de padrão interativo que pode se alocar tanto na região do conforto quanto na de conflito, dependerá da profundidade ou intimidade presente no conteúdo trocado. 

Partindo dessa constatação, talvez o Orkut com seus fóruns virtuais possa ter gerado relações afetivas mais sólidas que redes sociais como o Facebook e outros aplicativos contemporâneos. Hoje já estamos transitando para uma terceira geração de tecnologia de rede 

social que promova camadas paralelas às redes mais populares, mas não menos bem sucedidas, como é o caso do Tinder. 

O Tinder é a interface contemporânea mais famosa para a mediação de relacionamentos ditos “amorosos”. A interface também possui características de rede Ego, dando prioridade às fotos e imagem do usuário. Ela possui filtros que já pré-selecionam o público que vai visualizar o perfil conforme as preferências cadastradas. Pode-se afirmar que o Tinder é uma espécie “Linkedin do amor”. As pessoas curtem o perfil daqueles candidatos que mais lhe interessam, ou seja, quanto mais curtidas mais qualificado se tornaria o usuário para uma possível interação ou futura relação, uma corrida da meritocracia do afeto. O “match” ocorre quando existe um interesse mútuo. E aí a interação salta para um nível mais elevado que é o de troca de mensagens ou pode avançar diretamente para um encontro. 

Em conversa empírica com usuários do Tinder, detecta-se que as trocas de mensagens se configuram como uma entrevista. Códigos de comunicação diferenciados por geração, pela interpretação de memes5 de rede são examinados num processo de verificação de compatibilidade e, ao mesmo tempo, análise de riscos. Segundo estes usuários não é tolerada a possibilidade de frustração. A qualquer sinal de incompatibilidade ou de futura rejeição o “candidato” é eliminado da corrida. 

4. Algumas conclusões 

As redes sociais mediadas tecnologicamente alteraram a percepção que tínhamos sobre as capacidades de nossas relações, ao possibilitarem a queda de barreiras de espaço e tempo, ampliando potencialmente a frequência de contato. Estas redes podem ter sido, em alguns casos, catalizadoras de relações afetivas bem sucedidas, bem como de muitos fracassos. 

Comparando os primeiros formatos de redes sociais como o Orkut com o Facebook , por exemplo, verifica-se que a aceleração da velocidade das informações circulantes nas linhas de tempos das redes contemporâneas teria aumentado o número de interações. O que podemos perguntar é se esse aumento teria causado um inchaço no volume interacional e não um aumento de densidade na qualidade destas interações. 

O Tinder, conhecida rede de relacionamentos íntimos virtuais que apresenta uma ambiente que oferece aos seus usuários aparentes garantias de se resguardar que a pessoa que ele busca se relacionar teria um mínimo de características que ele precisaria para que a relação seja bem sucedida em sua intenção. 

Bauman (2004) define que a era dos Amores Líquidos é um período do qual os indivíduos se colocam amedrontados em encarar os riscos de uma relação amorosa profunda e duradoura, com todos os custos do aprendizado do outro, a luta nos processos de transformação para manter os laços fortes e frequentes. Talvez seja mais cômoda a vivência dos choques das emoções das relações mediadas por aplicativos de relacionamento que assegurariam a fruição do prazer em detrimento da dor da construção de uma relação. 

O filme “Contato” (1997) encerra a experiência de interação com a inteligência alienígena como se fosse uma experiência de transcendência religiosa, ao mesmo tempo também científica, pois a cientista teria vivenciado uma viagem interdimensional. Contudo, esta viagem não pôde ser comprovada pelos cientistas que acompanhavam a experiência, uma vez aos olhos deles a espaçonave que ela embarcara apenas caiu no mar. A experiência presentificada pertencia apenas à ela que vivenciou o fenômeno, como se fosse um presente exclusivo para aquela pessoa que já teria em seu repertório de vivência a condição de extrair daquela experiência algum aprendizado para si. 

Talvez o amor não caiba cognitivamente em um mundo que precise transmitir publicamente todas as suas experiências. O amor seria uma vivência particular entre os agentes da relação. Bauman (2004) ao refletir sobre a afinidade a coloca como um construto daqueles que têm coragem de se arriscar no exercício da relação do convívio presencial com todos os riscos e benefícios que ele possa trazer. 

Até o momento, as tecnologias de interação ainda não substituíram completamente a experiência do encontro face a face em sua riqueza e complexidade, e talvez isso nunca venha a acontecer com total fidelidade. Contudo, a singularização das experiências produzidas nas frequências das curtidas, das postagens de imagens e outras formas de interações, gerariam no usuário uma sensação de sonho lúcido vivido intensamente na construção de “laços fortes” virtuais, na montagem de uma narrativa amorosa digital. Amor ou ficção? No mínimo, uma experiência que pode ser também prazerosa ou compensadora ao ego, pelo menos enquanto o ato de trocas afetivas materializadas nas linhas de tempo das redes perdurarem. 

Referências 

AGAMBEN, Giorgio. O que é dispositivo In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. p.28-50. 

ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de; TRACY, Kátia Maria de Almeida. Noites Nômades: espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. RJ: Rocco, 2003. 

BAUMAN, Zygmunt. Amor Liquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. ed. 1. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 190 pg. 

CONTATO. Direção: Robert Zemeckis. Warner Home Video ,1997. 1 DVD (150 min), NTSC, Color. 

CONTATOS Imediatos do Terceiro Grau. Direção: Steven Spielberg . 1977. 1 DVD ( 137 min.), NTSC, Color. 

MISTÉRIOS DO MUNDO. Entendendo a Teoria da Relatividade de Einstein. Disponível em <http://misteriosdomundo.org/entendendo-a-teoria-da-relatividade-de-einstein/>. Acesso em 4 de junho de 2016. 

PINTO, Julio C. M. Logos Sensorial. Contemporanea, vol. 8, nº2. Dez.2010. Disponível em <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/viewFile/4859/3600> Consultado em 18 de maio de 2016 

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura) 191 p. 

REVISTA ÉPOCA& NEGÓCIOS. Linha do Tempo: do Facebook ao IPO. Disponível em <https://www.tecmundo.com.br/rede-social/3667-a-historia-do-twitter.htm>. Consultado em 4 de junho de 2016. 

SIBILIA, Paula. Os diários íntimos na Internet e a crise da interioridade psicológica. Disponível em <http://antroposmoderno.com/antro-version-imprimir.php?id_articulo=1143>. Visualizado em 18 de maio de 2016. 

TECMUNDO. A história do Twitter. Disponível em <https://www.tecmundo.com.br/rede-social/3667-a-historia-do-twitter.htm>. Consultado em 04 de junho de 2016. 

TECHTUDO. Tinder ganha nova interface e mais recursos, como o envio de GIFs. Disponível em <http://www.techenet.com/2016/01/tinder-ganha-nova-interface-e-mais-recursos-como-o-envio-de-gifs/> . Acesso em 02 de junho de 2016. 

 

Fonte: http://periodicos.pucminas.br/index.php/dispositiva/article/view/P.2237-9967.2017v6n9p53

  • JUNQUEIRA, P. R. . Com Tato em Tela: afetos e artefatos maquínicos. Dispositiva – Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas , 2017.