Querer dizer

A rede social na internet se resume em um grande querer dizer. As pessoas estão o tempo inteiro querendo dizer e significar os seus sentimentos, produzindo um noticiário de suas rotinas, pensamentos, dos pontos-de-vista sobre os fatos corriqueiros ou de interesse coletivo, tudo de forma dinâmica e contínua. O “quero dizer” no dito popular se apresenta também com o sentido de correção de algo mal expresso ou mal interpretado. E não se trataria disso tudo afinal? De um grande desentendimento? O discurso em poucos caracteres é por si só limitado, as interações mediadas tecnologicamente, apesar dos múltiplos formatos que se ofereçam, ainda são incompletas. A rede social diz e se “desdiz” a todo o momento. No montante das discussões e dos enunciados prevalecem os ruídos das distorções, que não são distantes da dinâmica “da vida como ela é” no universo ordinário do tete à tete. Entre os picos e os vales de contentamento, a “civilização” avança…

Ultimamente tenho apreciado o silêncio, ao menos, o meu silêncio. O volume de vozes advindas das interações proporcionadas pelas tecnologias de rede tem gerado um ruído branco no qual eu procuro sentidos, mas percebo mesmo a opacidade dos excessos. Ruído branco, segundo engenheiros de áudio, é “um tipo de ruído produzido pela combinação simultânea de sons de todas as frequências”. A saturação produz uma massa sonora ininteligível. O silêncio seria a quebra, o intervalo para o entendimento. É isso, deu branco! E na calma da sala branca saturada, em silêncio, eu me dispus a construir o meu próprio mosaico do entendimento sobre a ânsia do outro e seu “querer dizer”, ainda que nas entrelinhas. Ânsia que por vezes me contamina e a qual eu luto e fracasso neste instante.

Sabemos que nosso pensamento é contínuo e as redes sociais da web 2.0 se configuraram como uma plataforma do “pensar alto”. Na malha telepática da internet, o desafio é como editar a qualidade desse pensamento que se manifesta. Não importa a faixa etária, muitos a utilizam como um muro de lamentação, como um diário ou sala de terapia: o lugar de botar para fora, desembuchar. Outra maioria quer impor o que pensa. Outros tratam o perfil como um espaço de marketing. Não veste somente a camisa do próprio ego, às vezes forjado, mas a estende no varal do trabalho. Não acho necessariamente impróprio, pode ser uma necessidade imposta, mas vale o cuidado com a crise de múltipla identidade, incoerências que um minuto de conversa revelam.

Têm os que não querem dizer nada ou querem dizer nas entrelinhas para grupos. “Menes” (memes) da ironia nos códigos de amigos, desdizer para se fazer entender no simples prazer do cortejo do sarcasmo com o desentendimento: feliz de quem ri primeiro. Perspicácia ou adolescência? “Orgulho e preconceito” por aceitação…

Entre os que querem dizer muito e os que não necessariamente querem dizer alguma coisa, entre a pretensão de manipular o entendimento do outro ou de se divertir com essa (auto-?) ilusão, eu prefiro o delay do pensar dez vezes se é isso o que eu quero. Prefiro o silêncio de uma imagem, o desenhar de uma música ao desdenhar do outro (ou de mim mesma). Brincar com o ardor alheio não é um sopro de inteligência na própria ferida, embora infle muitos egos. Brincar com a própria tragédia é uma saída até elegante, embora um disfarce. A arena social, seja online ou pessoalmente, é um campo de contínua disputa colaborativa: salve-se quem puder. E que um dia salvem-se todos, eu torço por isso. A coerência entre o verbo ser e estar é o maior desafio da humanidade, quando ela a alcançar em sua plenitude será feliz (ou satisfeita), enfim. Há quem duvide desse dia.

O que quero dizer, neste momento, é que vou me fazer (des)entender permanecendo mais vezes e mais tempo com a solidão branca do meu silêncio. Em algum lugar deste limbo, através de todas as vozes, distinguo melhor a minha voz.

Amanhã será outro dia

(18/3/2013)

Imagem: Taekyeom Lee

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