Crítica musical e recomendação no tempo das redes

Crítica musical e recomendação no tempo das redes

Por Patrícia Rocha

A crítica musical, para muitos, sempre foi um importante referencial para a escolha de um álbum ou artista em uma primeira apreciação. Jornalistas, profissionais da música e escritores marcaram época com suas análises e ponderações sobre obras ou performances de palco. No século XX, em especial, quando as artes ganharam visibilidade midiática e os músicos status de popstar, revistas e colunas especializadas se multiplicaram e a crítica tornou-se protagonista de uma relação de instável cumplicidade entre críticos, artistas e  público.

O tempo passou e a tecnologia ajudou a transformar as formas de fazer música e também as formas de comunicação e interação social.  Quando as redes digitais emergiram materializadas pela Internet e outros aparatos tecnológicos, as pessoas passaram a ter mais autonomia na busca de informação e na produção de conteúdo. As revistas especializadas passaram a conviver com os blogs e redes sociais. Muitos se arriscaram a dizer que o poder da crítica foi diluído. Porém, mais do que nunca, talvez o crítico tenha agora a responsabilidade de um papel mediativo ainda mais significativo e não menos árduo: nortear uma multidão em rede em meio a milhares de opções de escuta, novos estilos, gêneros, sonoridades e especialmente, as novas formas de recomendação musical. Para isso é preciso entender as transformações práticas ocorridas nestes últimos vinte anos.

Antes da década de 90, o acesso a lançamentos musicais era bastante controlado pelas gravadoras. Os críticos dos veículos das grandes mídias costumavam receber estes lançamentos antecipadamente com exclusividade, pois eram os responsáveis pela análise e crítica das obras. Depois da popularização tecnologia P2P (peer to peer) e da troca de arquivos .mp3 na internet, não há mais essa exclusividade. Graças a esta facilidade de acesso, os blogs, associados às redes sociais de música como o MySpace e Last.fm,, foram os protagonistas da transformação do sistema de recomendação musical antes vigente.

Se o MySpace foi o primeiro serviço a mobilizar a rede em torno da música, a hospedar músicos e ouvintes e a articular a interação entre os mesmos, o Last.fmpropôs um formato inovador, no qual os hábitos de escuta são registrados em tabelas estatísticas e comparados entre usuários “amigos”, gerando uma escala de compatibilidade de “gostos”. Outra novidade que o Last.fm apresentou é o sistema de “tagueamento”. As “tags” são como âncoras marcadoras que fazem um papel de filtragem semântica e permitem uma série de possíveis associações de dados através de algorítimos que virão a combinar ou relacionar informações em uma página, tabela ou índice. As “tags” aparecem como “impressões” particulares que utilizam tanto gêneros e estilos musicais quanto outras associações qualitativas como cor, estado de humor para caracterizar aquela faixa, álbum ou grupo musical. O usuário ganhou assim liberdade de articular suas impressões, classificá-las e recomendá-las como bem entender.

As novas práticas aprendidas através do uso desses serviços e suas interfaces propõem uma experiência diferente de escuta musical ao estimular a afinidade em rede como um fator motivacional para uma pesquisa de escuta compartilhada. Dessa forma, os “playlists” que registram as audições ou seleções musicais dos usuários passaram a ser um índice de consulta tão poderoso que vários serviços surgiram baseados nesse modelo, entre eles podemos citar o blip.fm e o lala.com. Este último, inclusive, foi comprado e fechado pela Apple para que seu modelo sirva de base para a nova interface em do iTunes. Com os seus playlistspersonalizados, os usuários querem mostrar o que ouvem e querem ser influentes com suas recomendações. Muitos conquistam popularidade e prestígio em seus perfis, agregando muitos “amigos” ou “seguidores”. Essa popularidade pode ser lucrativa para alguns serviços, o lala.com, por exemplo, vendia os playlists mais populares. O usuário-ouvinte tornou-se mais do que um “recomendador”, mas um garoto propaganda do produto “música” na rede. Irresistível pensar na pergunta: seria esse um novo modelo de “Jabá”?

Embora esses formatos interativos sejam fontes ricas para muitas questões ainda em aberto, a prática de recomendação entre os usuários não impede que a crítica ocupe seu espaço de valor. A prova disso é a grande popularidade do Pitchfork.com, site de resenhas musicais e entrevistas focado principalmente no mercado de música independente. Fundado em 1995, nos primórdios da internet, o site acompanhou a evolução das tecnologias de web e sua atual configuração só comprova a força do playlist: os usuários têm acesso a uma lista que indica quais são os “melhores” álbuns e lançamentos do momento. Outras listas incluem os melhores discos de cada década eleitos pelo site, organizadas talvez com um objetivo mais formativo. As resenhas são feitas por colaboradores, geralmente músicos, blogueiros ou jornalistas convidados pelo staff. O conteúdo é interessante, oferece espaço para grupos e trabalhos outrora obscuros e trazem muita música experimental, eletrônica, folk e outros novos “estilos” alocados em alguma hibridação entre rock, hip hop, jazz ou subgêneros da eletrônica.

Enfim, o que podemos concluir é que o usuário das redes tem à sua disposição muitas ferramentas de pesquisa e consulta e toda uma nova cultura de escuta erecomendação pela qual pode abrir seu leque de conhecimento e gosto musical. Os blogse redes sociais alimentam esse fluxo cultural e também a curiosidade daqueles mais interessados nesse tipo de conteúdo. Toda essa abertura e acesso podem ser usados de forma positiva pelos críticos e formadores de opinião, pois as redes são paramentadas de ferramentas eficientes que ativam o trânsito da informação e as distribuem em instâncias consolidadas de mediação. Se existe muito conteúdo duvidoso na rede, a crítica aparece como fonte de boa informação musical nas quais seus autores adicionam sua experiência e conhecimentos técnicos e intelectuais que podem vir a fazer toda a diferença nas escolhas e experiências de escuta dos usuários de rede. O espaço está aberto!

 

 

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