A selva do outro

 

 

 

O outro é a própria selva a se desbravar. Parece que espelhando nossa mente veremos o outro, mas é “ele” quem se vê em nós. Vê seus medos, vê sua raiva, vê a rejeição por algum desejo, alguma atitude que esperava de nós e não cumprimos. Somos uma selva a ser vencida e disciplinada segundo o olhar do outro. Mas não há facão que abra uma trilha nessa mata sem agredir e deixar marcas, sem deixar calos no agressor. E sem ele interromper a violência para tentar entender a penumbra. Sem se dar tempo para identificar as silhuetas e o traçado da trilha. É preciso olhar diferente o outro e perceber o comum na sombra. Entender essa miopia entre pares quando um espera e não alcança. Entender que nem todo silêncio é vácuo e nem todo espaço é distância. Pelo contrário, o intervalo é o arauto da distinção, a chave da compreensão. O outro está logo ali e sedento de afeição tanto quanto nós. O que queremos é compreensão e amparo. E compreender implica em saber trocar de lugar, se colocar no contexto desse outro, entender suas razões e seus equívocos, se ver neles e superá-los. A selva do outro não abre clareiras para quem quer incendiá-la, se assim for, ela morre para o algoz. Mas, se ao invés de impormos, ouvirmos e entendermos, as sombras se entregarão ao sol. Não haverá mistérios, nenhum lugar pra se esconder.

(21/3/14)

Imagem: Henri Rousseau –  “Il Sogno”

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